Qual o seu nível de lucidez?



Em muitos dos meus cursos gosto de começar com uma reflexão: será que se andássemos no tempo para trás, uns cem ou duzentos anos, seríamos alguém que já rejeitaria o conceito de escravatura, de violência e repressão abominável sobre as mulheres, sobre a sexualidade, sobre a liberdade do indivíduo ? Será que teríamos a mesma opinião da maioria das pessoas.


Aos olhos da cultura actual, tudo aquilo que referi é considerado atroz, porém, há cem ou duzentos anos, eram conceitos plenamente aceites pela sociedade. Lembrar que, há um século, nos vários parlamentos europeus, a ideia de uma raça superior era comumente aceite. Hitler, neste aspecto, foi apenas mais papista que o papa, e levou aquelas ideias ao extremo (sem lhe retirar demérito). Mas esses conceitos eram partilhados, discutidos, permitidos.

Se perante esta pergunta, a sua resposta for que, obviamente, não concordaríamos com aquelas ideias, cabe-me relembrar a celebre frase de Goethe "ninguém é mais escravo do que aquele que se acha livre, sem sê-lo."
Pois a única forma de nos mantermos alerta é pondo em causa a nossa cultura, escrutinando os comportamentos, sejam em forma de ações ou de pensamentos. 
A cada momento da história, a grande maioria das perspectivas que a sociedade tem da vida e do mundo, tendem a mostrar-se muito obsoletas, erradas ou redutoras, com o passar do tempo. Desde o momento em que acreditávamos que a terra era plana, que as trovoadas eram castigos dos deuses, ou, nada melhor que uma das mentes mais extraordinárias ter dito "não há a menor indicação que a energia nuclear algum dia será alcançada. Isso significaria que os átomos poderiam ser destruídos sempre que fosse necessário" - Albert Einstein (1932), e anos mais tarde, ter contribuído de forma decisiva para o contrário.
Penso que a esta altura já percebeu onde quero chegar.
Até que ponto questiona os seus comportamentos e os torna realmente escolhas suas?
Porque enquanto não houver essa reflexão, somos autómatos, que tal como os outros animais, aprendem pela cultura e pela osmose do grupo. Tendemos a achar que quando escolhemos um carro ou uma cor, é uma escolha nossa. Mas ela está completamente condicionada aos estímulos que tivemos, a que chamamos cultura. Por isso os fabricantes de automóveis sabem, apenas pela escolhas das cores, se o automóvel vai para a Ásia ou fica na Europa.
Felizmente, a evolução brindou-nos com a consciência. Mas ela tem de ser aplicada, exercitada. E isso exige esforço. E a vida cosmopolita já é muito exigente. E assim vamos aos trancos e barrancos, à procura de uma luz ao fundo do túnel.
No meu curso Timefulness, que é um grupo de estudos onde refletimos sobre tudo, qual clube dos poetas mortos, obstinados em acordar para as nossas escolhas.
Como aprendemos a fazer amor? Porque e como nos apaixonamos? Como nos alimentamos? Como dormimos?
Será que dormir é somente cair na cama? Ou à semelhança da escrita, da roupa, e do controlo dos esfíncteres, que nos permitem maravilhosamente conviver em sociedade, há muito a aperfeiçoar na senda da evolução humana.
E você, qual foi a última vez que procurou discernir por si mesmo, sem a cultura, pelos seus valores mais internos (ainda que, até esses sejam fruto da sociedade, nesta fase são o melhor que temos), se concorda com o que está a fazer? Se os seus comportamentos são escolhas conscientes e não decorrentes do fluxo da sociedade?
Tirar um curso, casar, ganhar dinheiro, ter filhos, envelhecer e ir viver para o campo ou a praia. Nada de errado com este caminho. Mas até que ponto é realmente o seu?
E assim, termino. Qual o seu nível de lucidez?

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